10/24/2006

O Vermelho e o Negro, de Stendhal

“Ao homem foi dada a palavra para esconder seu pensamento”
Padre Malagrida

O nome verdadeiro de Stendhal é Henry Beyle, nascido na França em 1783. Como todo bom escritor teve uma vida amorosa complicada e seu sucesso foi reconhecido após sua morte. O livro que ora apresento trata-se do primeiro grande romance do escritor e um dos maiores de todos os tempos da literatura universal. “Mas do que um romance de costumes, é uma crônica política, ou uma crítica à sociedade de seu tempo”. Stendhal é brilhante na construção psicológica de seus personagens e de suas conexões com sentimentos de ambição e amor, sobretudo, quando estes movem atos na sociedade após a Revolução Francesa. O título traz controvérsias em suas interpretações, por isso prefiro um campo semântico para ambos: o vermelho é a paixão, o amor, o sangue, a guerra; o preto, a religião, a morte, a ambição.
A história se desenvolve inicialmente em uma pequena cidade do interior em que Julien Sorel, filho de carpinteiro, é “um rapaz pobre, e que só é ambicioso porque a delicadeza de seu coração cria a necessidade de alguns dos prazeres fornecidos pelo dinheiro...” (p. 50). Em tal cidadela se condensam vários comportamentos e idéias decorrentes da Revolução, e o autor descreve com exímio conhecimento os choques econômicos e ideais entre os proprietários e comerciantes, entre a aristocracia e a burguesia liberal. Outra característica do herói é sua admiração por Napoleão: “Há muitos anos, Julien não gastava talvez uma hora de sua existência sem se lembrar que Bonaparte, tenente obscuro e sem fortuna, transformara-se em senhor do mundo com sua espada” (p. 35). Além desse detalhe importante, sobretudo, para o desenvolvimento do romance, pois grande parte dos atos de Julien em relação ao amor baseavam-se em idéias de guerrilha, onde a máxima: “no amor e na guerra valem tudo”, é superficial diante os planos arquitetônicos que o protagonista desenvolveu no decorrer da trama, outro aspecto central é a admiração pelo poder da Igreja, que era manifestado através do conhecimento de latim que Julien possuía. Com o reconhecimento de seus saberes Julien se insere na alta sociedade francesa e suas idéias, fruto de sua condição de pobreza, começam a se chocar com o universo que agora faz parte. Serão nestas tramas que Stendhal apresentará sua capacidade incrível de conduzir os atos e sentimentos dos personagens: “O extremo ódio que animava Julien contra os ricos iria explodir” (p. 69). “O horrendo combate que o dever travava com a timidez era muito doloroso para que tivesse condições de observar qualquer coisa fora dele mesmo” (p. 66).
A mudança de valores decorridos da Revolução traziam angústia no coração de Julien, pois “O jovem camponês nada via entre si e as mais heróicas ações senão a falta de oportunidade” (p. 86). Seu primeiro romance é com a Sra. Renal, genitora dos filhos que Sorel é incumbido de ser educador. Após estes momentos recheados de aventuras, Sorel muda-se para Paris onde encontra na filha de seu patrão, o Sr. de La Mole, sua segunda aventura amorosa. Os diálogos se desenrolam de maneira tal que é possível compreender os principais valores do século XIX, onde a atitude individual é admirada e ao mesmo tempo causa receio na alta sociedade, que teme por suas regalias de títulos e condecorações nobres. A Srta de La Mole condensa de forma contraditória grande desses valores, pois “Tinham-na persuadido que, por causa de todas as suas vantagens de nascimento, de fortuna, etc., devia ser mais feliz que qualquer outra moça. É a origem do tédio dos príncipes e de todas as suas loucuras” (p. 321).
Descrever todos os detalhes, intrigas e desfechos seria insensível e impossível de minha parte. Por fim, gostaria de terminar com uma passagem de Danton lembrada por Julien quase ao final do livro: “É estranho, o verbo guilhotinar não se pode conjugar em todos seus tempos; pode-se muito bem dizer: serei guilhotinado, serás guilhotinado, mas não se diz: fui guilhotinado” (p. 489).

10/11/2006

Crime e Castigo, Dostoievsky

Sem dúvida um dos romances mais interessantes e densos que já li. Como faz tempo que tive esse intento vou poupar meus esforços intelectuais para fazer análises, portanto, vou me limitar, mesmo sendo tosco e superficial, a reproduzir algumas passagens que me chamou a atenção e que anotei na época, caso alguém se interesse em sabe mais: leia o livro!
“Sim, é isso, está tudo ao alcance do homem, mas o medo... É curioso: de que será que as pessoas têm mais medo? O que mais temem é o primeiro caso, a primeira palavra... Mas parece que já estou falando demais. Afinal, não faço outra coisa a não ser falar. Embora também se pudesse dizer que, se falo, é porque não faço nada. A verdade é que, de um mês pra cá, peguei a mania de falar, enquanto me deixo ficar estendido no meu canto, ruminando... sobre ninharias. Bem, afinal aonde vou? Serei capaz? Será uma coisa séria? Não, de maneira alguma. Divirto-me à custa da minha imaginação. É uma brincadeira! É isso mesmo, uma brincadeira!” (p. 10). “Nesse tempo, não dava grande importância aos delírios de sua imaginação, apenas se excitava com eles. Passado um mês, começava a olhá-los de outra maneira, e, apesar de tudo, dos silenciosos monólogos a respeito de sua inércia e indecisão, ia se acostumando, quase sem querer, a considerar aquele sonho audacioso como um empreendimento, embora ele próprio não acreditasse nele. Agora, ia ali justamente ensaiar aquele plano, e o seu nervosismo aumentava à medida que ia caminhando” (p. 11).
“Na pobreza ainda se conserva a nobreza dos sentimentos. Na miséria não há nem nunca houve nada que os conserve. Um homem na miséria é expulso a pauladas, afugentam-no a vassouradas da companhia dos seus semelhantes, para que a ofensa seja ainda maior, e é justo, porque na miséria eu sou o primeiro que estou disposto a ofender-me a mim próprio...” (p. 19) “... não há muito tempo, que a compaixão, nos nossos tempos, é proibida pela ciência, e que é assim que se procede na Inglaterra, onde existe a economia política” (p. 20). “Incentivava-o a ter fé na bondade do Criador e nosso Protetor, porque no íntimo tenho medo de que tenhas contagiado dessa incredulidade que está agora em moda” (p. 36).
As reflexões sobre as novas teorias que surgiam, sobretudo a respeito da economia política liberal, são momentos ricos que o autor presenteia ao leitor e que de certa forma até hoje nos ensina e nos orienta a viver: “Por exemplo, ensinaram-nos até aqui: ‘Ama o teu próximo.’ Se eu sigo tal preceito, que é que acontece? Rasgo o meu capote em dois, dou a metade ao próximo e ficamos, os dois, nem vestidos nem nus. Mas a ciência me ensina a amar antes de tudo a mim mesmo, porque tudo neste mundo se baseia no interesse pessoal. A economia política diz que quanto mais negócios particulares existirem na sociedade, ou, em outras palavras, quanto mais capotes inteiros foram fabricados, mais forte e organizada ela será. Portanto, trabalhando exclusivamente para mim, estou também trabalhando para todos, contribuindo para que o próximo receba mais do que a metade de um capote, em conseqüência do progresso geral. Idéia simples, mas que infelizmente, até hoje esteve abafada pelo espírito sonhador” (p. 116).