6/22/2007

Um teto todo seu, Virginia Woolf

Confesso que um dia peguei um livro da Virginia Woolf pra ler e não passei das primeiras 10 páginas. Além de ser um pouco prolixa, talvez eu ainda não esteja preparado para me aventurar nesse tipo de literatura, bem semelhante ao francês Proust. No entanto, a vida de Woolf é o que nos chama mais a atenção, principalmente depois de assistir o filme As Horas. Percebe-se que em seus escritos contém sangue, sangue de mulher do início do século, de quem sofreu, amou, viveu, enfim, sangue humano, "demasiado humano". A literatura, como disse, não li. Mas encontrei esse texto que é uma palestra proferida pela autora. Segue algumas passagens interessantes que registrei na época:

“É um fato curioso como os romancistas têm um jeito de fazer-nos crer que os almoços são invariavelmente memoráveis por algo muito espirituoso que se disse ou muito sábio que se fez. Raramente, porém, reservam sequer uma palavra para o que se comeu. É consenso entre os romancistas não mencionar sopa, salmão e pato, como se sopa, salmão e pato não tivessem importância alguma, como se ninguém jamais tivesse fumado um charuto ou bebido um copo de vinho” (p. 14-15).

“Como já disse que era um dia de outubro, não me atrevo a perder o seu respeito e pôr em risco o bom nome da ficção mudando a estação e descrevendo lilases pendendo de muros de jardins, açafrões, tulipas e outras flores da primavera. A ficção deve ater-se aos fatos e, quanto mais verdadeiros os fatos, melhor a ficção – é o que dizem” (p. 21).

“Entretanto, é em nosso ócio, nos nossos sonhos, que a verdade submersa às vezes vem à tona” (p. 38).

“Sem a autoconfiança, somos como bêbes no berço. E como podemos gerar essa qualidade imponderável, e apesar disso tão inestimável, da maneira mais rápida? Pensando que as outras pessoas são inferiores a nós mesmos. Sentindo que temos alguma superioridade inata” (p. 41).

“Eis por que tanto Napoleão quanto Mussolini insistem tão enfaticamente na inferioridade das mulheres, pois, não fossem elas inferiores, eles deixariam de engrandecer-se” (p. 42-43).

“Realmente nada foi jamais dito pelo próprio artista sobre seu estado de espírito talvez até o século XVIII. Talvez Rousseau tenha começado isso. De qualquer modo, perto de século XIX a consciência de si mesmo de desenvolvera a tal ponto que era um hábito dos homens de letras descreverem o que lhes passava pela mente em confissões e autobiografias” (p. 58).

“... é da natureza do artista importar-se excessivamente com o que se diz dele” (p. 63).

“O dinheiro dignifica aquilo que é frívolo quando não é remunerado” (p. 73).

“As obras-primas não são frutos isolados e solitários; são o resultado de muitos anos de pensar em conjunto, de um pensar através do corpo das pessoas, de modo que a experiência da massa está por trás da voz isolada” (p. 74).

É isso...


6/16/2007

A alma do homem sob o socialismo, Oscar Wilde

Comecei a ler esse despretensiosamente na livraria. E ele começou a me sugar com suas idéias. Sempre me interessei pelo tema socialismo, mas nunca tinha encontrado idéias tão sensatas como encontrei nesse pequeno livro. Trata-se de uma idéia do socialismo sob a ótica do anarquismo, por isso ele apresenta de modo diferente, sem misticismo comunitarista que como bem sabemos só servem para ocultar a verdadeira alma do homem, que é revelada brilhantemente por Wilde. Como estava ficando meio chato ir à livraria e ler aos poucos procurei na internet e encontrei no site Coletivo Sabotagem. Na verdade gostaria de reproduzí-lo quase na íntegra aqui, mas como isso não é uma boa idéia, vão apenas algumas partes interessantes:
“Com o Socialismo não haverá pessoas enfiadas em antros e em trapos imundos, criando filhos doentes e oprimidos pela fome, em ambientes insuportáveis e repulsivos ao extremo. A segurança da sociedade não dependerá, como hoje, das condições climáticas. Se cair uma geada, não teremos uma centena de milhares de homens desempregados, vagando pelas ruas em estado repugnante de miséria, implorando esmolas ao próximo, ou apinhando-se às portas de albergues abomináveis para garantir um pedaço de pão e a pousada suja por uma noite. Cada cidadão irá compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedade; e, se vier uma geada, ninguém será prejudicado. Por outro lado, o Socialismo em si terá significado simplesmente porque conduzirá ao Individualismo. Se o Socialismo for Autoritário; se houver governos armados de poderes econômicos como estão agora armados de poderes políticos; se, numa palavra, houver Tiranias Industriais, então o derradeiro estado do homem será ainda pior que o primeiro.
A posse da propriedade privada é amiúde desmoralizante ao extremo, e esta é, evidentemente, uma das razões por que o Socialismo quer se ver livre dessa instituição. A propriedade não apenas tem obrigações, mas tantas que sua posse em grandes dimensões toma-se um fardo. Exige dedicação sem fim aos negócios, um sem-fim de deveres e aborrecimentos. Se a propriedade proporcionasse somente prazeres, poderíamos suportá-la, mas suas obrigações a tomam intolerável.
A admissão da propriedade privada, de fato, prejudicou o Individualismo e o obscureceu ao confundir um homem com o que ele possui. Desvirtuou por inteiro o Individualismo. Fez do lucro, e não do aperfeiçoamento, o seu objetivo. De modo que o homem passou a achar que o importante era ter, e não viu que o importante era ser. A verdadeira perfeição do homem reside não no que o homem tem, mas no que o homem é. A propriedade privada esmagou o verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso. Impediu que uma parcela da comunidade social se individualizasse, fazendo-a passar fome. E também à outra, desviando-a do rumo certo e interpondo-lhe obstáculos no caminho. Numa sociedade como a nossa, em que a propriedade confere distinção, posição social, honra, respeito, títulos e outras coisas agradáveis da mesma ordem, o homem, por natureza ambicioso, fez do acúmulo dessa propriedade seu objetivo, e perseguirá sempre esse acúmulo, exaustivo e tedioso, ainda que venha a obter bem mais do que precise, possa usar ou desfrutar, ou mesmo que chegue até a ignorar quanto possui. O homem irá se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a propriedade, o que não é de surpreender, diante das enormes vantagens que ela oferece. É de lamentar que a sociedade, construída nessas bases, force o homem a uma rotina que o impede de desenvolver livremente o que nele há de maravilhoso, fascinante e agradável. O que um homem realmente tem, é o que está nele. O que está fora dele deveria ser coisa sem importância. Abolida a propriedade privada, haveremos de ter o Individualismo verdadeiro, harmonioso e forte. Ninguém desperdiçará a vida acumulando coisas ou à cata de símbolos para elas. Haverá vida. Viver é o que há de mais raro neste mundo. Muitos existem, e é só. Será algo de maravilhoso quando vislumbrarmos a verdadeira personalidade do homem. Nada terá de provar. Bens materiais não medirão seu valor”.